Por muitos anos no Século XX o interior de um elevador foi caracterizado como um elo de encontro para semi-diálogos entre seus passageiros envolvendo o tempo em suas dimensões, tais quais: está chovendo forte hoje, como está calor hoje, mas que frio…, vistes o tamanho dos granizos que caíram, ou, como o tempo está passando rápido, este ano voou, amanhã já é Natal e nem vi o tempo passar, e assim por diante.
Eram breves diálogos em que as pessoas, após um também rápido bom dia, boa tarde ou boa noite trocavam estas palavras e se despediam em um piscar de olhos, ou melhor, em um abrir e fechar da porta do elevador, mas pelo menos havia uma breve interação entre as pessoas após um também breve cumprimento.
Com a tecnologia popularizando os smartphones e as redes sociais isto tudo mudou, e como mudou, nos acostumamos a ler sem nos concentrarmos no que estamos lendo, vemos e não enxergamos, ouvimos e não escutamos e, assim, desaprendemos a ler tudo aquilo – e aqueles – que nos cercam.
Estava eu a esperar o elevador no sétimo andar, terminando de digitar uma mensagem no whatsapp quando elevador chega ao meu andar e a porta se abre, percebo que um casal está no cubículo iluminado e refletido pelo brilho do espelho. Ah…, a parede de espelho dos elevadores também é um objeto interessante, pois não existem pessoas por menos narcisistas que venham ser que não se admirem no espelho do elevador, que não passem as mãos em seus rostos, esbocem um sorriso ou façam uma rápida limpeza de pele, isso tudo ignorando a câmera interna que permite uma efêmera e repetitiva diversão para os profissionais que trabalham na segurança e nas portarias dos condomínios.
Voltamos ao sétimo andar. A porta se abriu, entrei pronto para exclamar verbalmente um “bom dia!” aos vizinhos quando eles nem ao menos levantaram seus olhos para visualmente me cumprimentarem. Ambos estavam fixamente hipnotizados por seus SmartPhones, ambos pelo que rapidamente percebi digitando freneticamente no aplicativo WhatsApp, quem sabe até conversando entre si. Sete andares para baixo e mais a garagem e não conversamos sobre o tempo, nem sobre o clima, nem sobre coisa nenhuma. Eles não se entreolharam olharam no espelho que de tanta solidão quase ficou embaçado.
Éramos três pessoas em um espaço limitado, iluminado pelas luzes internas e pelos brilhos dos smartphones, com um espelho grande e nenhuma palavra foi mencionada. E olha que o clima (meio ambiente), para esta situação, vem contribuindo bastante, pois temos todas as estações do ano em um só dia. Tem assunto para “mais de metro” e a Mãe Natureza, sabiamente percebendo o grau de INdividualização dos seres humanos, em sua pródiga visão de mundo, bem que tentou ajudar com suas mudanças de revoltas climáticas em um só dia, mas de nada adiantou.
“As coisas estão no mundo / Só que eu preciso aprender”, expõem Paulinho da Viola citado Affonso Romano de Sant’Anna em sua obra Ler o Mundo*, onde este ressalta que tudo o que presenciamos é texto e narração. Se de acordo com Sant’Anna até o ato de fazer um jardim é reler o mundo e por isto a paisagem “pode ter um ‘sotaque’, assim como sabor e cheiro (…) e por isso se fala de um jardim italiano, de um jardim francês, de um jardim inglês e japonês (sic)”, a tecnologia e as mídias sociais estão propiciando uma ferramenta de leitura do mundo que o ser humano não aprendeu a ler, pois este vem lendo sem interpretar, quanto muito, a si mesmo.
Sim, os tempos mudaram e nem os elevadores são mais espaços de cumprimentos sutis e rápidas previsões sobre o tempo. O elevador chegou no térreo e tentei sem nenhum resultado olhar fixamente para o casal na esperança de pronunciar um novo “bom dia”, mas nada, saímos todos do elevador e o casal seguiu lado a lado, cada um com seus olhos fixos na telinha brilhante e individual sem pronunciar um só ruído e nem sequer arrumar o penteado no espelho.
Bem vindo ao novo mundo do seu mundo, apenas seu. Os tempos mudaram.
*SANT’ANNA, Affonso Romano de. Ler o mundo. São Paulo: Global, 2011.